Anunciação à Virgem Maria

Rompendo o véu atmosférico, de alva cintilação constituiu-se em figura — os olhos dela puderam vê-lo: o anjo anunciador, como numa ânfora, despejou em redor de si luzes coadas da ogiva, retecendo-se em relevo visto, urdidura de fios luminosos. Maria suspendeu de si o humano julgamento, conteve-o em seu coração, junto aos sobressaltos. Lá fora, o vento que soprava árvores trouxe para dentro do cômodo o hálito fresco do jasmim. Envoltos ambos pela aragem, não se precipitou movimento — na lamparina de azeite, uma singela chama fremia. Súbito, dobravam-se sobre o piso os joelhos da virgem; suas mãos, fervorosas, uniram-se uma a outra; enlevo, emoção: diante de si, o pálio que encobria tudo quanto é mistério revelava-se. Bendita és tu! Assoberbam os mares e rios, confrangem-se os visos das cordilheiras! Beit Lehem — a Casa do Pão abrigará a carne mais pura, que da sua carne nascerá: o Rio Caldal, nas margens do qual multidões aplacarão a sua sede. Oh! Bom Deus! Como concebes a uma mulher tão simples carregar em seu ventre o Verbo Primeiro, o Alfa e o Ômega? Como caminhará ela novamente pelas ruas estreitas de Nazaré, sem que trepidem os seus passos, sabendo-se agora o cântaro onde fora depositada a água viva de todas as gerações? Como sustentarão os seus pés tamanha graça? Eis que pousa-lhe à cabeça eólia diadema e do céu mil auroras, em louvor profundo, irrompem o clarão: “Chama-lo-á Jesus, o Cristo” — disse-lhe o anjo. E como não houvesse boca, nem lábios, nem voz, essas palavras ecoavam de todos os lados, causando-lhe comoção; e como fosse um lago o seu ventre onde desembocavam as águas do Rio Jordão, Maria se viu transbordante, radiante — o silêncio primeiro invadiu o seu coração.

Brasília, 22 de junho de 2024.

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