O escritor, o náufrago e a vela

Retorno aos escritos como o náufrago que vê, da ilha solitária onde se encontra, a vela que representa a sua esperança de retorno ao mundo, à sociedade. O escritor, inegavelmente, é um espírito solitário, que pouco fala, embora tenha muito a dizer; na verdade, poucas pessoas têm tanto a dizer com o profissional da escrita. É tão importante para ele a expressão, que com a palavra mantém matrimônio, uma relação passional de amor e ódio que, tanto o devora como o edifica. À cama, leva a imagem da folha em branco, onde deverá pousar aquela ideia reveladora ou apenas o mais trivial dos pensamentos — é necessário, todavia, despir-se eventualmente das toneladas de palavras, vozes, que acotovelam-se dentro dele, buscando um lugar ao Sol. A vontade de dizer algo é imorredoura para o escritor.

Pesam dentro de mim as palavras que guardei durante esses dias. Passados o Natal e o Ano Novo, teço considerações: “Se eu fosse esse náufrago da ilha, a vela não me sustentaria a carga… as ondas bateriam na embarcação, na proa e nas laterais, virando-nos no mar revoltoso”. Por isso, detenho-me mais alguns dias do esforço da pena; mantenho a folha em sua brancura singular; e silencio novamente. No entanto, existe uma força irredutível, que exerce sobre nós o seu influxo arrebatador; e cá estou outra vez, sentindo na pele o resvalar dos ventos, ouvindo o repuxar da vela, vendo o azul do mar como nunca antes o vi. Resumindo: escrevo. Nesses momentos, em que os dedos deslizam-se sobre as teclas — tal como se sentiria Machado de Assis com a pena na mão —, eu temo apenas uma coisa: o inevitável retorno à ilha inóspita. Embora vazia e morta, ela também é necessária ao escritor.  

“Quando não escrevo, estou morta”. Foi o que afirmou Clarice Lispector ao jornalista Júlio Lerner. Suponho que Clarice receasse, assim como eu, o inelutável retorno ao vazio, quando tolhem-se de nossas bocas as palavras, e jazemos no silêncio; Clarice temia o sepulcro e a lápide, essa pequena porção de terra — a ilha —, onde a cova aberta nos aguarda em cadáver. Ressuscitado, porém, eu escrevo… e vivo. 

Interrompo estes escritos, por me lembrar dos Evangelhos. — Não sou um exímio leitor ou intérprete do livro sagrado, mas vem a calhar a história de Lázaro. — Na tela do celular, abro o aplicativo da bíblia, e medito sobre o defunto ressuscitado. “Lázaro, vem para fora!” — disse o nosso Senhor Jesus Cristo, em alto e bom tom, para que ninguém duvidasse que, ali, naquele instante, um farol luminoso se erguia; e Lázaro, como uma mariposa, surgiu à porta da sepultura em busca da Luz. Assim também funciona a vocação para a escrita, ou para qualquer outro ofício, segundo compreendo: é um chamado à vida, à ressuscitação. Ninguém permanece vivo ao recusá-lo, morre-se dentro si ao fazê-lo. 

Clarice, minha querida, eu a compreendo.

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